sexta-feira, 12 de dezembro de 2008

Amazônida

rio Tapajós, da janela do hotel em Itaituba

Este ano, além de candango virei um pouco amazônida também.
Depois de quatro viagens a Itaituba/PA (4° 16' 33"S/55° 59'02"W), já começo a olhar o Tapajós com intimidade e me relacionar melhor com o mundo amazônico.
A primeira vez que fui a Itaituba pensei que nunca mais voltaria lá. O calor equatorial, o esgoto correndo a céu aberto, os urubus fazendo as vezes de pombas, tudo provocava um estranhamento que só foi passar depois da segunda viagem.
Precisa-se de um tempo pra ajustar o olhar sub-tropical à exuberância da floresta e entender o fascínio do ouro e sua presença na vida da região.
O estado praticamente não existe e há uma violência latente que frequentemente aflora, sendo normal as ameaças de morte e as histórias de pistoleiros. Mas por outro lado há uma delicadeza nas relações humanas, uma doçura no trato surpreendente e encantadora.
A Amazônia é como um vírus; depois de inoculado é impossível ficar indiferente a ela, sem esquecer as palavras de Conrad, que diz que "nos trópicos, antes de tudo deve-se manter a calma".

segunda-feira, 24 de novembro de 2008

Árvores

As pessoas que inventaram Brasília não tinham qualquer intimidade com o cerrado e sua peculiar vegetação, e foi natural que usassem as árvores que conheciam de outras paragens para diminuir a impressão de deserto que o enorme canteiro de obras oferecia quando as obras iam ficando prontas.
São paus-ferro da mata atlântica, jambolões e mangueiras da Índia, ipês do Brasil inteiro, e tantas outras, resistindo na medida do possível aos rigores do clima. Na 104 sul tem uma araucária triste e desmilingüida e na 105 sul uma aroeira-salso que parece totalmente em casa.
Quando as chuvas começam, é necessária uma grande faxina pra eliminar as árvores que não estão muito bem e que ameaçam a segurança dos transeuntes e do patrimônio.
As árvores estão na vida da cidade como está a arquitetura. No começo da primavera eram as crianças e adultos de mãos e pés manchados de roxo, colhendo amoras.
Em novembro chamam a atenção os grupos de todos os tamanhos sob as mangueiras, arremessando paus, pedras e tudo mais que estiver por perto, pra tentar derrubar as mangas maduras que estão longe do alcance das mãos.
Perigo mesmo são as jaqueiras que começam a amadurecer seus frutos improváveis e que logo demandarão toda a atenção dos pedestres para evitar surpresas desagradáveis, tanto pelo cheiro como pela ameaça que representam à integridade física de todos.

segunda-feira, 17 de novembro de 2008

Táxis

O transporte público em Brasília não se encontra entre as melhores coisas da cidade. Digo isso embora nunca haja sequer entrado num ônibus por aqui.
Mas tenho certeza de os táxis não ficam muito atrás. Os motoristas em geral são um pouco mais delicados do que os de Porto Alegre, que certamente não têm competidor no quesito grossura e invariavelmente se pode ir ao aeroporto do melhor jeito possível (calado). Os carros são um horror. Sujos e caindo aos pedaços e a tarifa beira a extorção. O aeroporto é dentro da cidade, mas por algum desses mistérios que somente a relação de uma categoria como a dos taxistas com o poder público pode explicar, usa-se bandeira 2 em qualquer horário, independentemente da origem da corrida.
No primeiro semestre, após o governo do distrito federal anunciar não sem uma certa pompa a criação de uma linha de ônibus executivo ligando o aeroporto à zona central, houve uma vexaminosa volta atrás por pressão do sindicato dos taxistas e o aeroporto da capital do país vai continuar dependendo exclusivamente da frota de táxis mais precária entre todas as grandes cidades do país.
Na sexta passada tive que vir do aeroporto até em casa com a janela aberta apesar do chuvisqueiro, pois o cheiro não era exatamente dos mais agradáveis.
Em Brasília, se beber tente não ir de táxi.

domingo, 14 de setembro de 2008

SIGLAS

Domingo cedinho voltava de tomar café na melhor padaria da cidade (La Boulangerie - 106 sul, Bl. A, loja 3) e na comercial da 103 havia um carro do governo estacionado. Uma camionete fiat com um "MRE" amarelo na porta.
A vida em Brasília exige, num primeiro momento, o domínio das siglas que compõem os endereços, por uma questão de simples sobrevivência. O passo seguinte, que depende muito do grau de envolvimento com a máquina pública, é preciso dedicar algum esforço às siglas governamentais.
MRE...
Meio sonolento, não consegui decifrar na hora.
Um governo tão pródigo na criação de ministérios e secretarias especiais é capaz de qualquer coisa, contanto que a base aliada permaneça feliz. Ministério das Religiões...Ministério das Relações Espúrias...Ministério dos Regimes de Engorda...
Mas ora, é o Ministério das Relações Exteriores! o velho e bom Itamaraty.
A verdade é que ministério até que é fácil, mesmo considerando a dificuldade de entender algumas coisas. Quais seriam, por exemplo, as diferenças de atribuições do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA)?
Já lembrar o nome dos ministros, é outra etapa.
O horror mesmo está dos ministérios pra baixo. Só quem já entrou em um prédio da administração federal tem condições de imaginar, pela simples leitura das plaquinhas nas portas de eucatex, a inacreditável quantidade de assessorias, diretorias, coordenadorias, superintendências, chefias, subchefias, conselhos em geral. Todos com suas respectivas siglas.
Mas algumas premissas são fundamentais para mover-se no estranho mundo das siglas, pois mesmo para o mais abnegado burocrata deve ser impossível dominar o incomensurável conjunto de siglas que compõe os órgãos da administração federal.
Um detalhe importante é que quanto mais importante o cargo, menor a sigla. PR é a própria presidência da república. Duas letrinhas que dizem tudo.
Se ao ser convocado para algum compromisso no governo federal o cidadão perceber que a sala onde a reunião vai ocorrer tem uma sigla com mais de quatro letras, pode ter certeza de que está muito pouco valorizado e que qualquer decisão precisará subir pelo menos dois escalões para que seja tomada. Siglas com hífen, pode esquecer. Nada pode ser resolvido por um órgão que tenha hífen em sua sigla.

segunda-feira, 1 de setembro de 2008

122 dias

Sábado à noite estávamos os três na nossa cama, o Miguel mamando e eu atirado por ali quando o ruído da rua mudou de repente. Parecia uma ilusão auditiva, o barulho característico dos pneus sobre o asfalto molhado e o crepitar das gotas na folhagem da árvores. Um barulho de um tempo distante, que não se ouvia desde antes da chegada do Miguel. Ele terminou de mamar e fomos pra janela ver a quadra molhada sob a luz amarela da noite. Agora ele já conhece a chuva. Semana passada já ouvimos as primeiras cigarras e daqui a pouco todo esse marrom e esse cinza vão voltar a ser verde e a poeira vermelha que parece estar sobre todas as coisas vai desaparecer por uns tempos.

sexta-feira, 1 de agosto de 2008

Athos

Daqui a pouco vai passar aqui perto, na W3, o féretro que vai levar o artista plástico Athos Bulcão pro cemitério, lá na pontinha da asa sul.
Imagino que sejam muito poucos os artistas que foram capazes de imprimir sua marca a uma cidade como ele fez com Brasília.
Algumas pessoas reclamam da frieza da monumentalidade e dos grandes espaços, outros não toleram o clima de deserto no período seco, mas é praticamente impossível não amar a obra de Athos Bulcão, provando todo o tempo que a arte pode estar em todas as coisas.

sexta-feira, 20 de junho de 2008

Copacabana

Algumas provavelmente coisas se repetem em todas as cidades as cidades. Assim como todos os aeroportos do país tem um avião da Vasp se desmanchando em algum canto, todas as cidades devem ter um restaurante como o Copacabana. Em Brasília ele se chama Roma e foi aberto no ano da inauguração da cidade (1960). Paisagens italianas nas paredes, garçons das antigas, de summer e gravata borboleta e um espaguete a bolonhesa que parece vindo diretamente da praça Garibaldi.
Roma, W3 sul, CRS 511, bloco B, loja 61

sábado, 31 de maio de 2008

Cidadão


21 de maio de 2008. Nesse dia me tornei cidadão brasiliense do jeito mais extremo em que isso pode acontecer. Nasceu meu filho Miguel, no hospital – ora veja – Brasília, no Lago Sul. 15° 50’ 45” S / 47° 52’ 56” W. Tenho um filho candango e tropical.
Escolher a cidade em que se vai ter um filho não é uma coisa usual na vida das pessoas. A nós foi dada essa oportunidade e aqui estamos.
Às vésperas de completar 50 anos, apesar do caos no trânsito e da interminável lista de desrespeito a seu projeto urbanístico, a cidade ainda tem jeito de futuro.
Para as gerações anteriores a nossa, era o fim-do-mundo do vir a ser. Alguns dos funcionários públicos que tiveram de ser arrancados à força do Rio de Janeiro hoje são nossos vizinhos. Quem acreditou ou não teve mais remédio, desfila seus cabelos brancos (e de tantas outras cores) pela cidade. Esses são os mesmos que viram os delírios de grandeza gestados no pleno exercício da democracia, sonhados em concreto armado e surpresa virarem, em poucos anos, o cenário para o desfile de lúgubres generais e seu tempo estranho transposto para a vastidão do Planalto e daí para o país.
Para as pessoas da minha geração, por muitos anos, Brasília foi sinônimo de milico, burocracia e endereços incompreensíveis, para logo retomar sua vocação de esperança, tantas vezes defraudada. Mas pelo menos depois de um tempo foi porque assim o quisemos.
A cidade mantém esse olhar otimista, essa força que vem de ser feita por gente de cada canto do país, que acredita que o futuro deve ser sempre melhor que o passado.
Por mais difícil que tudo pareça, por aqui vai passar o jeito de resolver nossas mazelas. E é aqui que meu filho vai começar a ser brasileiro.

sexta-feira, 16 de maio de 2008

Pontes

Desde o final de 2002, ,quando se fala em ponte, em Brasília, logo vem à cabeça a ponto JK, a terceira ponte, a ponte que imita um seixo saltando na água, como na brincadeira de criança. Sem considerar-se o fato de que seu custo previsto era de 40 milhões de reais e que acabou custando 160 milhões e que, dizem, por conta dela faltou remédio no distrito federal, na época de sua conclusão, trata-se obviamente de um exagero de ponte. Foi a marca que o faraó Roriz I legou à capital. A ponte é inegavelmente bela, mas parece deixar sempre uma pergunta na cabeça de quem a observa: Será realmente necessário tudo isso para uma ponte?


A segunda ponte é que traz no seu desenho o espírito da cidade: a beleza na simplicidade das linhas; a sofisticação pela leveza. Ela parece tocar de leve a água, como quem atravessa com cuidado um vau, pisando delicadamente sobre as pedras que afloram à superfície. Fácil perceber tratar-se de uma obra de Oscar Niemeyer. Só não foi muito feliz na hora de ser batizada. A pobre se chama Ponte Costa e Silva. Tremendo azar receber justamente o nome de meu conterrâneo marechal, justamente aquele que mais se parecia a uma caricatura de ditador sul-americano e para quem leveza e delicadeza certamente não faziam parte de suas maiores preocupações.

quarta-feira, 7 de maio de 2008

No Planalto

Ontem participei de uma reunião na Casa Civil da Presidência da República. Ala A, anexo III, do Palácio do Planalto.
Todos os clichês possíveis quando se trata de serviço público, num único corredor: festinha de aniversário, vendedora de bijuterias e barnabé lendo jornais esportivos na internet, gente por todos os lados e um sem número de mesas sem ninguém. Dez da manhã.
A ilha da fantasia no seu apogeu. Mármore branco por todos os lados, taças de cristal tcheco para servir água, obviamente por um garçom smoking e gravata borboleta. Estacionei o carro lá no fundo, no último estacionamento, perto das canchas de tênis e de vôlei de praia (areia branquinha na vermelhidão do cerrado). E uma outra estrutura, que na pressa não observei em detalhe e que ficou boiando na minha cabeça. Só ao chegar em casa a informação foi devidamente processada, embora soe um tanto inverossímil.
Eu acho que tem uma pista de mini-golfe nos jardins do Palácio do Planalto.

sexta-feira, 25 de abril de 2008

General Vitorino

Depois de muito vê-las, passa-se a perceber que todas as cidades têm determinados locais que remetem a outra cidade. Um pedaço de Lisboa no centro velho do Rio de Janeiro, um pedaço de qualquer cidade em São Paulo, um edifício saído diretamente de Copacabana na José do Patrocínio, e assim ad infinitum. Brasília sempre pareceu uma exceção a essa regra. Até que conheci a quadra 1 do setor comercial sul. O troço é igual a General Vitorino em véspera de natal.

quarta-feira, 2 de abril de 2008

carcarás 2

Esta semana descobri que os carcarás, como legítimos moradores da cidade de Brasília, também têm uma sigla como endereço. Voltava de andar no parque à tardinha e os vi chegando em casa: SRTVS, quadra 701, bloco 1 – altos da torre metálica. Nossos vizinhos, praticamente.

terça-feira, 1 de abril de 2008

sexta-feira, 21 de março de 2008

o pampa em toda parte

Em Porto Alegre um cidadão de botas e bombachas andando na rua pode significar pelo menos duas coisas: alguém que chegou do interior e quer deixar isso claro ou que o 20 de setembro está próximo. Aqui é sempre um garçom de churrascaria indo pro trabalho.

quinta-feira, 20 de março de 2008

cidade-avião
tão perto do céu
tão longe de deus

quarta-feira, 19 de março de 2008

carcarás

Nossa quadra é freqüentada por um casal de carcarás. Cada vez que eles aparecem a passarinhada dispara. São os verdadeiros donos do pedaço.
Essa cidade é realmente rica quando se trata de metáforas.